25 de set. de 2012

Campeã paraolímpica adotada num orfanato na Sibéria descobre seus pais biológicos

A vida de Tatiana ou Jessica em tempo real





No dia bissexto 29 de fevereiro de 1992, em Irkutsk, Rússia, nasceu, com deformidade nas duas pernas, Tatiana Olegovna Kirillova. Seus pais, Natalya e Oleg Valtyshev, com dezessete anos, pobres, não tinham como cuidar da menina.
-  O bebê tem problemas, nasceu sem os tornozelos, calcanhares, ossos da panturrilha... e vocês são jovens demais, vai ser muito difícil, disse o médico.
- O senhor está dizendo...murmurou Natalya, trêmula.
- A amputação de parte da perna seguida da colocação de prótese, ou perna mecânica, é possível, seguida de tratamento ortopédico e, claro, associado ao trabalho de reabilitação para a obtenção dos melhores resultados funcionais. Vocês, sozinhos, não dão conta. Melhor deixar a criança numa boa instituição.
A jovem Natalya olhou para seu jovem namorado, e Oleg Valtyshev desviou o olhar, cheio de lágrimas adolescentes.
- Eu queria ver a menina, disse.
- Há um orfanato em Bratsk, na Sibéria. Lá, sua filha pode ser bem cuidada.
Ela não reviu a filha como queria, pediu ao médico um tempo, tentou falar com sua mãe, mas quem atendeu foi o terceiro copo de vodka. O padrasto pegou o telefone, mas Natalya não teve coragem. Ainda tentou sua irmã Tatiana Rusanova, cujo nome havia dado à recém-nascida, mas Tatiana nada podia fazer.
A jovem Natalya e Oleg estavam perdidos. Não tinham a quem recorrer. Aceitaram a sugestão do médico e a pequena Tatiana foi para o orfanato.
- O Rio Angara liga Irkutsk a Bratsk, disse Natalya, é um rio perigoso, mas entre essas duas cidades é navegável. É calmo nesse trecho, entende?
- Não, não entendo, respondeu Oleg.
- Ninguém vai adotar uma criança assim. Podemos tê-la de volta. Nossa filha está perto, estamos ligados por um rio, é perto, é perto, repetia.
Tatiana nasceu com fíbula hemimelia, um defeito de formação dos membros inferiores, alteração ortopédica rara, um em cada quarenta mil nascimentos. Um gene mutante está sendo estudado, mas ainda não se sabe nem como nem por que isso ocorre.
Em 6 de julho de 1993 Nathalya deu à luz sua segunda filha, e três dias depois Tatiana foi adotada por Steve e Beth Long que, além de Tatiana, também levaram o menino Josué. O casal americano teve, no total, seis filhos. Tatiana Olegovna Kirillova foi criada em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, e passou a ser chamada de Jessica Long.
Natalya e Oleg Valtyshev casaram-se e tiveram, no total, quatro filhas. A caçula, Dasha, nasceu com problemas semelhantes ao da primogênita, recebe cuidados dentro de casa.
Em 1994, os médicos amputaram as partes restantes das pernas para que a pequena Tatiana/Jessica pudesse usar próteses e aprender a andar. Jessica Long aprendeu a andar, mas foi embaixo dágua que se encontrou. Na piscina da casa do avô, nadando, era uma menina igual às outras e, com o tempo, tornou-se a melhor. Com dez anos vencia os atletas normais. Entrou para a equipe de natação de Baltimore. Dois anos mais tarde, Jessica se tornou a mais jovem membro da equipe paraolímpica, onde conquistou três medalhas de ouro nos jogos Paraolímpicos de Atenas de 2004. Em 2008, ganhou seis medalhas, quatro delas de ouro em Pequim. Ela ganhou quatorze recordes mundiais de uma nadadora do sexo feminino com deficiência, incluindo cinco sets durante o Campeonato Mundial de Natação 2006, onde obteve nove medalhas de ouro. Em julho de 2012 ganhou o Prêmio Espy de Melhor Atleta Feminino com Deficiência. Como se tudo isso não bastasse, Jessica é linda de morrer.
Hoje Jessica tem vinte anos. Apoia um orfanato na Índia, e diz, com simplicidade: “ Meus pais me tiraram de um orfanato na Rússia. Como alguém que foi adotado, eu sei o quanto é importante apoiar as pessoas em outros países, e percebo como somos abençoados nos Estados Unidos”.
Seus pais biológicos, hoje com trinta e sete anos, assistiram a paraolimpíada de Londres 2012, e viram Jessica, sem saber quem ela era. Dias depois, jornalistas russos contactaram Natalya e Oleg, e revelaram que a filha que deixaram no orfanato era a campeã Jessica Long. Segundo o jornal Siberian Times, a mãe da para-atleta, visivelmente emocionada, disse "sentir muito" por tê-la dado para a adoção. "Na época eu tive medo. Tive que deixá-la para trás. Mas eu pensava que ia pegá-la de volta", afirmou. "Eu estava sozinha na Sibéria, sem minha mãe e meu pai. Para onde eu iria com ela? Os médicos disseram para eu deixá-la, disseram que eu não podia ajudá-la. Eu a chamei de Tatiana, como minha irmã mais velha."
O pai de Tatiana estava assistindo os Jogos Paraolímpicos quando a viu:
- Eu quase perdi a consciência, disse. Vi Jessica nadando. Estou chocado.
A campeoníssima Jessica Long, ao saber que sua mãe biológica havia sido localizada, disse para as emissoras de televisão:
- Eu não tenho raiva dela. Quero conhecê-la. Quero me casar um dia, ter filhos, já pensei em chamar minha filha de Natalya, em homenagem à minha mãe russa. Nas circunstâncias que meus pais biológicos viviam, quando nasci, acho que fizeram a coisa certa.
Hoje, qualquer pessoa pode acessar a internet e ver imagens da pequena Jessica aprendendo a andar na piscina do quintal de seu avô, nadando. Ela tem um site, onde fala de si, do fato de ter sido adotada e criada nos Estados Unidos numa família de seis filhos.
- Sou uma pessoa de sorte, diz.
Procurando por Jessica no Google, vi depoimentos de seus pais adotivos, imagens da menina em todas as fases de sua vida, fotos da família biológica, da mãe e das irmãs russas, louras e lindas como ela, vi seu site e sua beleza e pensei comigo que não preciso ficar inventando histórias para escrever contos: as narrativas já estão prontas, basta olhar em volta, ir no Google e escrever.
Brevemente Tatiana Olegovna Kirillova/Jessica Long vai atravessar o Rio Angara, que liga Irkutsk a Bratsk.  É um rio muito perigoso, mas entre essas duas cidades é navegável. Sempre é hora de recomeçar.
É um momento de muita tensão de ambos os lados. Na Rússia, não só a família, mas amigos e moradores de Bratsk enviam mensagens carinhosas para Jessica, pela rede social. Precisam estar calmos e preparados para este encontro. Há muitas curiosidades: A família russa fala inglês? Pela mensagem da irmã, não. Jessica fala russo? Não creio. Jessica dará assistência pra sua irmã caçula que tem o mesmo problema que ela? Dasha também teve a perna amputada? Usa próteses? Sai de casa? Como a menina criada na Rússia enfrentou a deficiência? O que a família pôde fazer por ela?
A imprensa descobriu, divulgou, entrevistou, mas não promoveu o encontro. Então, não só a família russa, mas toda a cidade e muitos russos estão loucos para entrar em contato com ela pelo Facebook. A beleza russa. Estamos orgulhosos de você. E postagens em russo que não entendi. Eis que, xeretando a vida alheia na rede social, encontro Yury Kotelnikov, namorado de Nastya, um ano e cinco meses mais velha que Tatiana/Jessica. Ele teve a brilhante ideia de entrar no Face, criar um perfil e tentar entrar em contato com a campeã.
Yury Kotelnikov postou na página da Jessica: Hi This is your sister Nastya. I registered on Facebook BUT CAN NOT YOU TO ADD TO FRIENDS (registeres under the name of her boyfriend answer plese)))
Não sei o que os três parênteses significam, mas claro, solicitei a amizade de Yuri, faça o mesmo. Como é que eu sei que ele entrou no face só pra encontrar Jessica? Porque ele só tem um amigo. Se me aceitar, terá dois.

Agora com a palavra, a encantadora Jessica, linda e loura, doce nadadora de vinte anos apenas, confira em www.jessicalong.com :

“Hello and welcome to my website! My name is Jessica Long and I am a professional swimmer. I grew up in Baltimore, Maryland, but I am originally from Siberia. I was born with fibular hemimelia. I was adopted from Russian orphanage when I was 13 months old, along with a little boy from the same orphanage, Josué. I learned how to swim in my grandparents’ pool where my sisters and I would spend hours pretending we were mermaids.
I won three gold medals and before I knew it, I was traveling and competing all over the world. I’ve had the incredible opportunity to go to China, France, South Africa, Japan, The Netherlands, Brazil, and many other places.
Who would have ever imagined that a girl with a “disability” from an orphanage in Siberia would be where I am today? I’m living proof that you can accomplish your dreams, no matter how great or small”l.