13 de dez. de 2010

Audioteca Kate Heymann



Para milhares de deficientes visuais, as audiotecas trazem de volta o prazer da leitura. Conheça aqui o trabalho da Audioteca Kate Heymann, da Comunidade Shalom.

Audioteca Kate Heymann
Rua Coronel Joaquim Ferreira Lobo 195 - Vila Olímpia
CEP: 04544-150 - São Paulo - SP
Fone: 3846-5221

[Site]



Débora Mamber:
"Maiara Arten tem 18 anos e mora em Florianópolis, onde cursa o 1º ano da Universidade Federal de Santa Catarina. Na lista do concorrido vestibular, seu nome aparecia em segundo lugar. Um grande feito para qualquer um, mas ainda maior para esta menina batalhadora, que conta com apenas 70% da visão. Quando tinha 11 anos completos, seus pais desconfiaram que algo estava errado. Visitaram vários médicos até descobrirem que Maiara apresentava os sintomas de um mal genético que afeta uma das camadas da retina: a chamada doença de Stargardt, uma enfermidade de caráter progressivo e sem cura.

Nos anos que se passaram, Maiara teve que se acostumar a uma vida diferente. Pouco a pouco, seus olhos começaram a negar-lhe diversos prazeres. Para ler, precisava usar aparelhos como lupas e telelupas, o que tornava qualquer leitura extenuante e demorada. Os dez livros da lista obrigatória do vestibular pareciam uma pilha inalcançável, e nem mesmo a boa vontade dos pais e amigos que se dispunham a ler para ela era suficiente para dar conta da tarefa.

Foi então que Eliane, mãe de Maiara, descobriu a existência da Audioteca Kate Heymann da Comunidade Shalom, uma entidade beneficente que proporciona livros falados a quem tem problemas visuais. Eliane solicitou as fitas das obras que cairiam na prova e logo as recebeu pelo correio, sem custo algum. “Se não fosse pela audioteca, não teria como ler todos os livros, porque meus pais trabalham, os amigos não estão disponíveis o tempo todo, a gente fica até com vergonha de pedir”, diz Maiara. “As fitas dão autonomia, não tem essa coisa de ficar dependendo dos outros”. Com esse empurrãozinho e mais uma boa dose de garra, ela pôde realizar a prova tranqüilamente.

A Audioteca Kate Heymann funciona de uma maneira bem simples: os interessados se comunicam por correio, e-mail ou telefone e solicitam uma lista das obras – que pode ser enviada em fita, em braile ou num papel impresso. São mais de 760 livros em fitas cassete ou CDs, gravados por locutores voluntários ao longo dos mais de 30 anos de existência da audioteca. Há diversos tipos de obras, desde infantis, passando por romances brasileiros e estrangeiros, livros didáticos, de direito, filosofia, religião e best-sellers. O usuário escolhe um título e ele é enviado pelo correio, sem custo algum para nenhuma das partes, graças ao cecograma, uma lei internacional que garante o envio de correspondência gratuita para cegos. E se a pessoa não encontrar a obra que quer, também é possível encomendar livros. Nesse caso, basta fornecer as fitas ou CDs que serão usados na gravação.

A semente dessa organização foi plantada há três décadas, quando uma amiga de Kate Heymann ficou cega. Dona Kate, como costuma ser chamada, lia para ela e, aos poucos, começou a registrar as leituras. A notícia foi correndo de boca em boca, até que as centenas de fitas e fichários mal cabiam no porão de sua casa. “Eu fazia tudo sozinha: gravava, catalogava, enviava pelo correio, fazia contato com as pessoas – tudo o que precisava, e sem computador”, conta ela. Mas mesmo com toda a dedicação, chegou o momento de deixar o filho sair do ninho e a Comunidade Shalom abraçou a idéia, fornecendo sede e apoio para estruturar e ampliar o trabalho. “Foi então que a audioteca se organizou e pudemos aumentar bastante o número de usuários”, revela Márcia Knobel, atual coordenadora da iniciativa. Hoje, a instituição também tem parceria com outras 20 organizações de deficientes visuais de todo o Brasil. Suas obras constam do catálogo da Biblioteca Virtual da Universidade de São Paulo e da Associação Laramara, entre outros.

Porém, mesmo com toda a estrutura, o trabalho continua sendo realizado inteiramente por voluntários. Dona Kate, aos 84 anos, com seis netos e dois bisnetos, é ainda hoje uma das locutoras mais produtivas da audioteca. Todos os dias, religiosamente, ela passa algumas horas gravando livros. Foram tantos que ela perdeu a conta. E se gaba: “Hoje há poucos cegos que não me conhecem, pelo menos pela voz".